Bem, como havia comentado com uma amiga, hoje completo mais uma primavera, embora seja outono. Na verdade, sempre cumpri outonos, invariavelmente me torno mais melancólico nessa data. E, como se não bastasse, não tive uma semana muito feliz. Pra fechar com chave de ouro esta fabulosa semana, hoje o dia começou de uma maneira insólita: a porta não se abria. Minha sogra com minha cunhada do lado de fora querendo me dar os parabéns e eu sem poder abrir a porta. Se a gente não tivesse uma boa relação podia até ser que ela pensasse que eu não queria papo, imaginem só. O mais bizarro de tudo é que hora e meia antes minha esposa tinha saído para trabalhar, ou seja, o problema era comigo. Era como se a casa não quisesse me deixar sair. Justo no dia do meu aniversário, as portas se cerrando e eu trancado no meu próprio mundo, vendo o outro mundo pela janela, sem nenhuma perspectiva de fazer contato. Acreditem, me senti muito angustiado, a janela com grades que serve para impedir que entrem sem permissão, agora me impedia de sair. Certamente, alguém deve estar pensando: esta é a única porta disponível?! Sim. O negócio é o seguinte: na verdade, em um mesmo terreno, existem duas casas, sendo que a dos fundos era a filha da dona que morava na casa onde estou. A entrada desta é por uma porta ao lado. Atualmente, mora gente aí, só que eles têm um sono pra lá de pesado e não me deram a menor bola. Resumo da estória: nem o chaveiro pôde abrir a porta pelo lado de fora. A fechadura estava completamente travada. A essa altura, já eram quase as 10, e finalmente conseguimos chamar os vizinhos pra abrir para mim. Nisso, o chaveiro conseguiu destravar pelo lado de dentro, destruindo o que restava da fechadura. Nesse momento, soube que a dita cuja estava morta para sempre, depois de mais de 40 anos de serviços bem prestados. Ironicamente, minha fechadura morre no dia em que faço anos. Então pergunto: disso tudo, dá pra tirar algum significado simbólico ou é só coincidência? Quem me conhece, sabe que sou um cético, mas paradoxalmente, como penso que sou poeta, vejo simbolismos até nas nuvens ou nas figuras que se formam no chão. O fato é que o dia finalmente se acaba e já estou pensando neste sábado e nas coisas que tenho para fazer. Preciso de um dia maior. E de vizinhos que acordem mais cedo.
19 de mai. de 2006
O mundo visto de uma janela
Bem, como havia comentado com uma amiga, hoje completo mais uma primavera, embora seja outono. Na verdade, sempre cumpri outonos, invariavelmente me torno mais melancólico nessa data. E, como se não bastasse, não tive uma semana muito feliz. Pra fechar com chave de ouro esta fabulosa semana, hoje o dia começou de uma maneira insólita: a porta não se abria. Minha sogra com minha cunhada do lado de fora querendo me dar os parabéns e eu sem poder abrir a porta. Se a gente não tivesse uma boa relação podia até ser que ela pensasse que eu não queria papo, imaginem só. O mais bizarro de tudo é que hora e meia antes minha esposa tinha saído para trabalhar, ou seja, o problema era comigo. Era como se a casa não quisesse me deixar sair. Justo no dia do meu aniversário, as portas se cerrando e eu trancado no meu próprio mundo, vendo o outro mundo pela janela, sem nenhuma perspectiva de fazer contato. Acreditem, me senti muito angustiado, a janela com grades que serve para impedir que entrem sem permissão, agora me impedia de sair. Certamente, alguém deve estar pensando: esta é a única porta disponível?! Sim. O negócio é o seguinte: na verdade, em um mesmo terreno, existem duas casas, sendo que a dos fundos era a filha da dona que morava na casa onde estou. A entrada desta é por uma porta ao lado. Atualmente, mora gente aí, só que eles têm um sono pra lá de pesado e não me deram a menor bola. Resumo da estória: nem o chaveiro pôde abrir a porta pelo lado de fora. A fechadura estava completamente travada. A essa altura, já eram quase as 10, e finalmente conseguimos chamar os vizinhos pra abrir para mim. Nisso, o chaveiro conseguiu destravar pelo lado de dentro, destruindo o que restava da fechadura. Nesse momento, soube que a dita cuja estava morta para sempre, depois de mais de 40 anos de serviços bem prestados. Ironicamente, minha fechadura morre no dia em que faço anos. Então pergunto: disso tudo, dá pra tirar algum significado simbólico ou é só coincidência? Quem me conhece, sabe que sou um cético, mas paradoxalmente, como penso que sou poeta, vejo simbolismos até nas nuvens ou nas figuras que se formam no chão. O fato é que o dia finalmente se acaba e já estou pensando neste sábado e nas coisas que tenho para fazer. Preciso de um dia maior. E de vizinhos que acordem mais cedo.
8 de mai. de 2006
Cenas do cotidiano
Fazia tanto tempo que não atualizava o blog que o outono já quase é inverno… Outro dia, mesmo me divertia com a senhora que põe crédito em meu cartão do ônibus, dizendo que no Rio tinha uma frente fria e que a temperatura havia baixado muito. Ela perguntou quanto devia ser isso e respondi que em geral uns 18 graus, 16 à noite. Foi o bastante para demonstrar uma das características mais marcantes das pessoas daqui: o modo italiano de se expressar. Os mais desavisados podem pensar que se trata de uma maneira rude ou talvez que estejam dando uma bronca, coisa assim. Na verdade, o argentino, de maneira geral, gesticula bastante e é meio exagerado para demonstrar o que sente. Particularmente, acho isso muito divertido, por isso faço de tudo para provocar este tipo de situação, mesmo inconscientemente. Ah, nesse dia, a temperatura estava 13 graus durante a tarde. E ainda não estamos no inverno… Também me diverte quando alguém comenta que aí faz sempre calor. Eu digo que no Rio há duas estações no ano: calor e muito calor. É o bastante para ouvir os suspiros das pessoas. Claro que não conto como era horrível volta do supermercado a pé no verão.
Por outro lado, é justamente o frio daqui que me impede haver visto uma barata viva em quase dois anos. Sim, acreditem, jamais vi uma barata viva até hoje em Mar del Plata. Quando muito, algumas, não mais que 10 seguramente, mortas. Para mim, isso é bárbaro, pois odeio as blattarias. Não é que tenha medo delas, tenho medo que elas caminhem sobre mim ou me toquem simplesmente isso (imagino os risinhos debochados de alguns). Medo tenho sabe de que? De querer dar lugar a uma mulher no ônibus por achar que ela está grávida e que, na verdade, não tem nada. Não consigo imaginar ofensa pior que essa, implicitamente a estou chamando de barriguda! Ou seja, querendo ser gentil, posso estar sendo grosseiro. Certamente, em algum país deve haver alguma lei contra este tipo de ofensa. Por isso, na dúvida, fico na minha. Sério. Tenho que ter muita certeza para oferecer o lugar. Na verdade, já nem me sinto tão culpado, pois por alguma razão que ainda não entendi bem, as pessoas aqui não costumam aceitar ajuda nos coletivos, apesar de serem bastante apertados. Por exemplo, já praticamente desisti de dar lugar à gente idosa. Alguns se zangam de verdade, crêem que os estamos chamando de velhos, ora bolas! O fato é que até por educação não consigo resistir a querer dar lugar para velhos e gestantes. É um estresse diário, pois o trajeto inclui uma parada justo em frente do hospital onde os velhinhos mais se consultam na cidade. Eu sei que é um pensamento horrível, mas às vezes esperar alguns minutos a mais para que os velhinhos subam e encontrem o cartão magnético e acertem a ranhura é um exercício incrível de paciência. E quando não querem o lugar que alguém oferece por estar perto da entrada (que é na frente, como no Rio)? Quando eu chegue aos 70, por favor, me dêem uma pastilha para dormir, eu não me suportarei, tenho certeza.
Além disso tudo, aqui como aí, os motoristas escolhem o ritmo que lhes convém, não aquele que necessitamos. Como se não bastasse o trânsito ser lento por natureza, muitas vezes os coletivos parecem nos estar brindando um passeio turístico. Mas tudo tem um lado positivo: pelo menos, quase sempre as viagens são silenciosas, pouca gente conversando e, sempre, em voz baixa. Outra coisa é que isso me permite observar com mais atenção o que se passa. Ontem por exemplo, vindo ao trabalho, reparei numa velhinha que corria atrás de um pombo na rua – e o alcançou! Fiquei imaginando por uns instantes por que cargas d’água aquilo estava passando. Depois, extrapolei um pouco e transportei a cena para o final de 2001, quando a crise financeira argentina estava em seu ponto máximo. Muito provavelmente, um turista recém chegado pensaria: “pobre velha, que fome deve ter!”. Na hora, só pensei que era algo muito bizarro e ri sozinho. Hoje, tentando exercitar um pouco de compaixão, preferi acreditar que a pobre senhora queria mesmo era cuidar do pombo, o que seria muito lógico, pois o bicho corria desesperado, em vez de voar. O importante disso tudo é que talvez este episódio me tenha feito entender um pouco melhor um texto do Júlio Cortazar que li recentemente. Era um estilo tipo Janete Clair, literatura fantástica, o que me fez desgostar do texto do início ao fim. Mas agora o compreendo um pouco melhor. Tentem imaginar-se em um engarrafamento gigantesco, onde aparentemente não há saída, não há notícias, nem se sabe o porquê de estar passando algo semelhante. De repente, começa a surgir um micro sistema social, onde o tempo é algo relativo e você se dá conta que depende muitíssimo dos seus semelhantes. A moral da história, creio eu, é que nunca ou muito pouco, prestamos atenção aos demais, pouco nos damos conta do quanto é importante o que cada uma das outras pessoas representam para nós mesmos. Até em uma cidade onde as coisas passam mais devagar, isso acontece. Foi meio que por acaso que notei a velhinha, admito. Desde então, tento prestar mais atenção.